Homem em cadeira de rodas com uma jovem sentada em seu colo observam o mar

Preconceito e invisibilidade prejudicam sexualidade de pessoas com deficiência

12/06/2017 Notícias 0
Um jovem casal com Síndrome de Down. Rapaz beijando o rosto da namorada e a abraçando por trás

Casal de atores com Síndrome de Down, Rita e Ariel, estão juntos há nove anos

A sexualidade da pessoa com deficiência sempre foi um assunto polêmico e, por que não dizer, um tabu. Assim como muitos temas ligados à deficiência, a falta de informação impera e a ignorância cria conceitos e entendimentos bem distanciados da realidade. Por que uma pessoa com deficiência não poderia namorar ou exercer sua sexualidade de maneira plena? Para começar, o que é namorar? É a troca de experiências e afetos entre duas pessoas que se respeitam, se completam e gostam da companhia um do outro. Namorar é entender o outro, é apoiar nos momentos difíceis, celebrar nas conquistas e estar junto sempre ou o mais possível. Namoro e sexo não são a mesma coisa, mas um faz parte do outro. Sexualidade, portanto, é a forma de expressão do carinho, do amor e do prazer da companhia do(a) parceiro(a). É quando os dois esquecem do restante do mundo e se despem (figurativamente ou não) para penetrar (figurativamente ou não) na intimidade do outro. Em uma sociedade pouco escolarizada, como a brasileira, a sexualidade está associada aos órgãos genitais (nada figurativo aqui). Contudo, psicólogos e terapeutas sexuais afirmam que esse entendimento não poderia estar mais incorreto e que sexo não é só penetração. “Eu tenho sensibilidade em uma região que eu descobri com ele que não tem nada a ver, que não é de nenhuma mulher. Na minha cintura, onde é a transição da minha sensibilidade. Eu adoro quando a gente está em uma relação sexual, ele está segurando aqui, fazendo um carinho”, conta a consultora em inclusão de deficientes, Carolina Ignarra.

Carolina tem 38 anos e, em 2001, sofreu um acidente de moto que lhe deixou paraplégica por conta de uma lesão medular irreversível. Ela conta que uma de suas primeiras preocupações era se poderia ter filhos. “Ela pode manter relações sexuais, engravidar, parir e amamentar normalmente. É claro que existem particularidades, alguns cuidados especiais que devem ser tomados, mas a gravidez é natural. A lesão restringe a mobilidade, mas a mulher não está impedida de ter inclusive um parto normal”, disse, à época, Therezinha Rosane Chamlian, fisiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora do Lar Escola São Francisco, em São Paulo. Cinco anos após o acidente, em 2006, Carolina se tornou mãe de Clara. A médica Rosane Chamlian complementa, explicando que os indivíduos com deficiência irão “desenvolver outras áreas erógenas de estimulação”. Para o psicólogo e sexólogo Fabiano Puhlman, o deficiente não vai ter o mesmo prazer sexual do não deficiente, “vai ter mais prazer porque você descobriu uma coisa que ninguém descobriu naquela pessoa”. Fabiano vive em uma cadeira de rodas desde os 17 anos e é autor do livro A revolução sexual sobre rodas.

O publicitário cearense Flávio Arruda, que está em um relacionamento aberto, é tetraplégico por lesão medular a 23 anos e se locomove em uma cadeira de rodas. Segundo ele, são várias as dificuldades em uma pessoa com deficiência manter um namoro. “A tal crença que pessoas que têm deficiência são assexuadas ou que não se interessam por sexo é uma delas”, diz, mas afirma que há outras. Ele cita “a invisibilidade e o lugar social de alguém que tem deficiência”. “Os afetos, os namoros, o sexo, tudo é permeado pela normalidade, a construção social que determina que todos e todas são iguais e projeta padrões de comportamento que não consideram pessoas com deficiência como parte das que ‘podem’ ter vida plena”, fala. Para ele, a crença popular de que pessoa com deficiência não tem sexualidade é uma “besteira, que parte da construção ideológica da normalidade”. Flávio cita uma questão importante ao falar que “convém lembrar que a normalidade como ideologia e padrão social também convence pessoas com deficiência dos seus propensos papéis na sociedade”. O psicólogo Fabiano Puhlman também toca nesse ponto. “Eu acho que o maior preconceito está na cabeça do próprio deficiente. Ele tem que se libertar dos preconceitos, principalmente se ele ficou deficiente (ao longo da vida)”, alerta.

 

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O jornalista Vinícius Lima, que tem Osteogênese Imperfeita, conta que não está namorando no momento e que seu último relacionamento terminou em 2010. Ele nunca namorou uma mulher com deficiência, mas afirma ter sido “por falta de oportunidade”. Segundo ele, sua deficiência já o atrapalhou em um relacionamento. “Minha ex talvez não tenha coragem de dizer isso em voz alta, mas foi a cadeira de rodas que fez o pai dela não querer. Ela tinha 17, eu 27, e por mais que ele tenha usado isso como argumento, foi apenas num segundo momento. De início, o impacto foi a filha com um cadeirante”, afirma. Ele conta também que já sofreu rejeição de mulheres por ser deficiente. “Lembro de uma garota da oitava série que se comportava apaixonada por mim (eu era louco por ela), mas não rolou”. Assim como Flávio, Vinícius também cita o preconceito como principal dificuldade em se namorar um deficiente. “Mesmo quando não foi namoro, as garotas não tinham muitos constrangimentos. Eu sempre me antecipei a algumas perguntas que sei que iriam surgir e as deixo tranquilas a perguntarem quando estivessem incomodadas”, fala. Quanto à crença popular de que as pessoas com deficiência não têm sexualidade, Vinicius afirma: “isso tem muito a ver com uma percepção geral sobre a pessoa com deficiência. Não transamos na mesma medida em que ‘somos especiais’. Somos especiais por isso: nossa vida é uma merda (sic), não temos capacidade de fazer as coisas ‘normais’, não fodemos (sic), mas somos felizes ainda assim, somos lição de vida, inspiração e essa babaquice toda”.

A discussão, portanto, volta ao conceito de sexualidade. Para Flávio, sexualidade “é a capacidade da pessoa ou das pessoas se conhecerem, se relacionarem e partilharem momentos de suas vidas juntos, fazendo sexo e proporcionando prazer mútuo caso assim entendam”. A matéria Sexualidade da pessoa deficiente, publicada aqui no blogue Sem Barreiras, aborda “o conceito sexualidade humana de forma ampla, em toda sua dimensão, ou seja, abrangendo os aspectos físico-biológicos, socioculturais, econômicos e políticos. Nesse contexto, a sexualidade masculina ainda se confunde com a prática ‘machista’, com todos os significados que este termo contém e que é tão sobejamente conhecido. A sexualidade feminina assume ainda contornos de submissão, repressão, sob a égide da dominação masculina”. Em resumo, a sexualidade é o ato da penetração do homem na mulher, em que ele escolhe quando, como, aonde e quantas vezes fazer. Cabe à mulher recebê-lo e estar sempre pronta para isso. Neste entendimento, as pessoas com deficiência se encontram, naturalmente, em larga desvantagem. O namoro de uma pessoa com deficiência e sua sexualidade não devem ser encaixadas em conceitos estéticos e físicos.

Preconceito e invisibilidade são dois termos usados pelos entrevistados da reportagem. Casados, um é a causa do outro. No texto Por que se fala tão pouco de deficiência?, aqui, Sem Barreiras aborda a questão da invisibilidade na imprensa. Ao tornar pauta as deficiências somente em datas específicas, cria-se um conceito de que ela não existe. A consequência é a construção equivocada dos conceitos sobre ela, incluindo a temática da sexualidade. Já o preconceito se dá de diversas formas, desde a falta de conhecimento da maioria a atos de agressão direta contra namorados(as) de pessoas com deficiência. A ex-ginasta Laís Souza, que sofreu um acidente enquanto esquiava e ficou tetraplégica, revelou ser lésbica em uma entrevista ao portal Uol. Em nova entrevista, tempos depois, ela se recusou a tocar no assunto, pois disse que seu namoro com a fisioterapeuta Denise Lessio havia se tornado mais importante que sua recuperação. As duas não estão mais juntas, mas Laís afirma que mantém seu sonho de ser mãe. A maternidade é outro assunto tabu para mulheres deficientes, como se pode ler aqui. Namorar uma pessoa com deficiência é um desafio e exige do(a) parceiro(a) muita compreensão, afeto, cumplicidade e doses certas de cegueira para não ver os dedos críticos apontando para o casal e surdez para não ouvir os comentários e perguntas estúpidas. São as chamadas barreiras visíveis e invisíveis que enfrentarão pelo caminho. O formato do namoro não será o mesmo do que entre duas pessoas sem deficiência, mas isso não significa que seja impossível. O mundo está cheio de exemplos. Basta abrir os olhos e o coração para enxergá-los.

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