#pracegover: Arte horizontal nas cores branco e dourado, em degradê, da esquerda para a direita. No alto, à direita, as palavras, em branco com sombra preta, VAMOS CONVERSAR SOBRE. Logo abaixo, em negro, DEFICIÊNCIA? No centro, à direita, a logomarca do site Sem Barreiras, um quadrado em preto e branco, com o símbolo do site ao centro e a faixa, na diagonal dizendo 5 ANOS. Ao lado do quadrado, as palavras SEM BARREIRAS. No canto inferior direito, as palavras, em negro: ÀS SEXTAS-FEIRAS. No canto inferior à esquerdo, a foto de um homem em uma cadeira de rodas, de óculos, segurando um microfone.

Toda criança tem o direito de brincar e se divertir

12/10/2017 Articulistas, Deficiência Física, Notícias, Victor Vasconcelos 4
Forta de brinquedo com seis bonequinhos playmobil, uma carroça e um cavalinho

Forte apache dos playmobil, uma febre das brincadeiras nos anos 80 e 90

Feliz Dia das Crianças! Tá maluco, Victor? O dia das crianças foi ontem. De jeito nenhum. Todos os dias deveriam ser das crianças, especialmente, quando vamos nos lembrar da nossa infância. Existiu época melhor em nossas vidas? Época em que não tínhamos preocupações com pagamento de luz, água, comida, escola, imposto de renda, não nos preocupávamos com o destino do país, se o presidente era ladrão ou não, se vivíamos em uma ditadura disfarçada, se o presidente americano era louco. Somente nos preocupávamos em brincar, brincar, brincar e comer de vez em quando, de preferência, com um brinquedo nas mãos. Só nos irritávamos quando nossa mãe “inventava” de nos mandar parar de brincar para tomar banho, dormir, rezar ou ir visitar alguém. “Só mais cinco minutos, mãe”. Quem nunca pediu? Quem nunca entrou no banheiro, batendo o pé, se meteu debaixo do chuveiro e saiu correndo? “Lavou as orelhas, debaixo dos braços”? E lá voltávamos nós para o banho, indignados e sem entender o que fizemos de errado. Pois é, infância é o momento mais puro e ingênuo das nossas vidas, em que nossos desejos são tão fáceis de ser alcançados. Cada um tem suas histórias pessoais de infância, suas brincadeiras favoritas, suas lembranças mais felizes. Vou contar algumas minhas, nesse texto. Nos comentários, contem as suas e vamos compartilhar um pouco desse tempo.

Minha infância aconteceu há 30, 35 anos. Sou o filho caçula de cinco filhos. Nasci em 1977 e, naquela época, não tínhamos vídeo game nem computadores nem celulares. Nossas brincadeiras eram menos tecnológicas e dependiam, fundamentalmente, de nossa criatividade. Contudo, eu fui uma criança com uma deficiência física, a Osteogênese Imperfeita, com grave fragilidade óssea. Assim, fui limitado em minha criatividade, que, admito, sempre foi altíssima. Minha mãe dizia que não era capaz de imaginar como eu seria se andasse, pois sempre tive muita energia, mesmo somente engatinhando. Engatinhei desde cedo e corria a casa inteira, de cima a baixo. Meu irmão me apelidou de “minhoca” porque eu era pequeno, branco e passava o dia me arrastando pelo chão. Lógico que eu nunca gostei desse apelido e costumava ir chorando para minha mãe. Hoje, não faço mais isso. Prefiro divulgar na internet. Como já mencionei, minha deficiência me limitou nas possibilidades de brincadeiras. Futebol, por exemplo, sempre me foi impossível. Sou tarado por bola até hoje (minha fisioterapeuta pode atestar isso, pois sempre que vejo a dela, destinada a abdominais, quero brincar). Não podia jogar bola com meus colegas de escola, mas dava meu jeito. Jogava com as mãos, contra a parede ou com minha antiga babá, a saudosa Judite. Uma vez, fui o goleiro num joguinho com meus irmãos e quebrei o braço. Acontece. Mas, não foi gol.

Um homem e um menino ajoelhados no chão, brincando de futebol de botão em um campo miniatura

Pai e filho jogam futebol de botão, uma das brincadeiras clássicas dos anos 80

A Judite é a figura que mais se destaca quando penso na minha infância. Chegou a minha casa quando eu tinha quatro anos para lavar roupa. Vinha da casa de minhas tias e, aos poucos, foi se aproximando de mim e começando a brincar. A Judite tinha uma espécie de magnetismo com crianças. Apesar da idade, possuía uma disposição ímpar para correr, se sentar no chão, me colocar no colo e ir a qualquer lugar. Além de tudo, me defendia em qualquer situação. Me lembro de uma dessas, quando lanchávamos no Iguatemi, e um menino perguntou se eu era doente. A resposta dela foi devastadora: – Se ele fosse doente, tava no hospital e não no Iguatemi, comendo pizza. Eu engasguei de tanto que ri da cara do moleque. Com ela, joguei bola, ping pong, lutei de espadas, brinquei de bandido e mocinho, esconde esconde. Tudo o que eu inventava, ela topava. Em uma rua em que não havia crianças, a Judite foi a melhor de todas. Esteve comigo até a faculdade. Ia às aulas, lia e dormia. Por centenas de vezes, saí da sala e a encontrei dormindo numa cadeira ao lado da porta. Certa vez, uma das minhas invenções, fomos à praia. Melhor explicando: fomos ao terraço de nossa casa, estendemos uma toalha no chão e nos deitamos, simulando a praia. Mamãe assistia de longe, rindo da marmota. Saudade de dona Judite, que nos deixou alguns anos atrás.

Citei, no parágrafo anterior, que não havia crianças na minha rua. Não é exatamente verdade, pois havia uma. De frente para minha casa, morava uma menina da minha idade, Lia. Por alguns anos, fomos inseparáveis, éramos companheiros diários de brincadeiras. Como morávamos de frente um para o outro, era só chegar da escola e começávamos. Lia se casou e foi morar fora. Perdemos contato. Mas, foram mesmo meus colegas de escola os grandes companheiros de brincadeiras. Nossa casa era uma extensão da escola e, praticamente, todas as semanas, havia um ou mais de um deles por lá. Os encontros certos eram nas férias ou no meu aniversário. Como nós crescemos juntos, eles sabiam como poderiam e deveriam brincar comigo sem causar acidentes ou fraturas. Nos momentos de dificuldade, improvisávamos. Um exemplo dessa improvisação foi durante uma gincana esportiva na escola em que minha turma iria jogar futebol e eu também. Para o meu caso, foi aberta uma exceção. Eu ficava no banco e, ocasionalmente, minha mãe me colocava no colo e entrávamos. A juíza (uma das professoras) parava o jogo, pegava a bola e me entregava. Eu fazia minha jogada com as mãos mesmo e voltava para o banco. Éramos bem pequenos, em torno de sete, oito anos. Para uma criança dessa idade, era o máximo. Eu estava jogando futebol (ou handebol, pensando hoje em dia).

Campinho pequeno de futebol, feito de madeira, com os jogadores presos e imóveis, e dois palitos de picolé na borda

Pinogol é um campinho pequeno de futebol, feito de madeira, com os jogadores presos e imóveis. A bolinha é mexida com palitos de picolé

Comprei minha primeira cadeira de rodas aos onze anos. Até lá, usava uma cadeira de bebê ou engatinhava. A cadeira de rodas me deu uma mobilidade e liberdade que nunca havia tido, mas também me afastou do chão. Nele, costumava brincar com a maior das minhas paixões de infância: playmobil. Em todos os aniversários, Natais, Dia das Crianças ou qualquer outro evento, meu presente era sempre uma caixa de playmobil. À época, eram baratos e cheguei a ter centenas, além de carros, casas e até mesmo um forte apache que ganhei de meus padrinhos. Faltou ar quando abri o pacote e vi o forte. Era enorme, imponente, tudo o que sempre sonhei vendo as propagandas na televisão. Meu irmão e eu o montamos e começamos nossa brincadeira. Depois da febre do playmobil, foi a vez dos Comandos em Ação, outro vício da minha infância. Ainda no chão, lembro de jogar futebol de botão. Como sempre fui pequeno, eu me sentava no estrelão (o campo), por cima dos botões, para alcançar a bolinha. Depois, tinha de recolocar tudo no lugar. Montava acampamentos com lençóis e almofadas e brincava de índios e cavalaria. Com a chegada da cadeira de rodas, as brincadeiras mudaram. Eu entrava na adolescência e, pouco depois, ganhei meu primeiro vídeo game, o saudoso Phantom System. Ghostbusters, Pitfall, Super Pitfall, Super Mario 3, Super Sprint, Futebol. Não virava a noite nesses jogos porque minha mãe não deixava, pois tinha aula pela manhã.

Minha infância não foi apenas de brincadeiras, foi também de histórias e passeios. Meu pai criou a todos nós, os cinco e mais os netos, contando histórias da Turma do Rio do Cocó. Criado da sua própria cabeça, os enredos eram baseados no nosso dia a dia. Se eu tivesse ido ao Iguatemi (meu point favorito), à tarde, quando contasse a história para eu dormir, a Formiguinha da Barriga Vermelha também teria ido. Eu não fazia essa conexão, apenas achava muito legal a coincidência. Por anos a fio, somente dormíamos depois de uma história. Minhas noites de perna ou braço ou os dois fraturados se tornaram bem mais amenas por causa dessas histórias. Uma pena que ele nunca as escreveu, pois daria um belíssimo livro infantil. Quem sabe eu não o faça algum dia? Se as histórias eram do departamento do meu pai, os passeios eram de minha mãe. Comigo no colo, entrávamos em ônibus ou em trens e “ganhávamos o mundo”. Mamãe sempre adorou a rua e conhecer lugares novos. Quando eu era pequeno, fui seu companheiro de aventuras. Com o passar do tempo, meu senso aventureiro diminuiu e passei o bastão para minha sobrinha. Também ficaram a cargo dela, professora, minhas leituras. A Coleção Vagalume, por exemplo, foi devorada quase que por completo.

Três desenhos, lado a lado. No primeiro, à esq, mostra uma mão em forma de concha e uma pilha de figurinhas abaixo dela; no segundo, a mão está em cima das figuras e uma sete vermelha para baixo, sinalizando movimento; na terceira, a mão está de lado e algumas figuras voando

A imagem mostra como se joga bafo, em que a pessoa bate na pilha de figurinhas com a mão em forma de concha

Nos anos 80, não havia tanto a consciência de acessibilidade e inclusão. Os parques não eram adaptados, não havia brinquedos dirigidos para crianças em cadeira de rodas ou profissionais especializados para recebê-los. Hoje, em pleno século XXI, ainda nos ressentimos dessas coisas. Mas, nada disso me impediu de ter uma infância extremamente feliz e inesquecível. Tudo começou em casa, com meus pais e irmãos me proporcionando as condições necessárias para ser criança. Também tive uma leva enorme de amigos para dividir esses momentos e tive a Judite. Sei muito bem que nem todas as crianças com deficiência têm esses privilégios, mas todas elas têm algo em comum: a criatividade inerente às crianças. Deem um brinquedo para seu filho e verão que ele fará uma festa enorme com o papel de embrulho. Deem tampinhas de refrigerante, caixas vazias de remédio, bola de meia e vocês farão a alegria da molecada porque a criança não precisa de brinquedos sofisticados para ser feliz. Ela precisa de amor, carinho e um ambiente saudável em casa e na escola. Os campinhos de futebol, de terra batida, desapareceram e os parquinhos estão cada vez mais raros. A solução dos pais é levar os filhos ao shopping ou grudá-los de frente para a televisão com um vídeo game de última geração. Privam a criança do contato com outras crianças, de se sujar, de se machucar. Privam seu cérebro de se desenvolver. Se essa criança tem alguma deficiência, é ainda pior, pois acreditam que ela não terá condições de acompanhar a brincadeira das outras crianças ou que será discriminada. Mas, isso é um erro. Como diria minha antiga professora, Nildes Alencar, criança não tem preconceito. Portanto, vamos deixar nossos filhos serem crianças e se divertir. Vamos nos divertir com eles.

Art. 4º: Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. Parágrafo único: Para os fins da proteção mencionada no caput deste artigo, são considerados especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência”. (Lei Brasileira de Inclusão)

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4 Comentários

  1. Melânia 13/10/2017 Responder

    Foste um adorável pestinha, Victor. É muito bom lembrar tua infância, tua alegria, tua vivacidade criativa. Aprontaste um bocado, cara. Ainda hoje apronta. Gostei do teu texto…bateu forte na minha emoção. Bj

    • Victor Vasconcelos 13/10/2017 Responder

      Não me lembro dessas “aprontações” todas não, mamãe… Como sempre, eu sendo injustiçado kkkkkkkkkkkkkkkkkkk Beijos.

  2. Leandra Migotto Certeza 16/10/2017 Responder

    Victor, texto lindo e super bem escrito! Divertido, informativo e conversa com o leitor. Parabéns!! Você domina a linguagem do Jornalismo Literário e fala com muita propriedade sobre um assunto que viveu: a sua infância com deficiência. Gostei mais deste texto em que você está leve e solto. Continue assim!! Abraços, Leandra.

    • Victor Vasconcelos 16/10/2017 Responder

      Obrigado, Leandra. Abraços.

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