#pracegover: Arte horizontal nas cores branco e dourado, em degradê, da esquerda para a direita. No alto, à direita, as palavras, em branco com sombra preta, VAMOS CONVERSAR SOBRE. Logo abaixo, em negro, DEFICIÊNCIA? No centro, à direita, a logomarca do site Sem Barreiras, um quadrado em preto e branco, com o símbolo do site ao centro e a faixa, na diagonal dizendo 5 ANOS. Ao lado do quadrado, as palavras SEM BARREIRAS. No canto inferior direito, as palavras, em negro: ÀS SEXTAS-FEIRAS. No canto inferior à esquerdo, a foto de um homem em uma cadeira de rodas, de óculos, segurando um microfone.

A vida é cheia de aprendizados e descobertas

20/10/2017 Articulistas, Deficiência Física, Notícias, Victor Vasconcelos 0

O texto dessa semana será de apresentação de um novo membro do que eu chamo de Comunidade Sem Barreiras, que estreou na última terça-feira e que escreverá mensalmente, ao menos no início desse novo trabalho para ela. Refiro-me à jornalista Lana Nóbrega, que assina a coluna Diversidade é a pauta de hoje! (leia aqui), abordando diversidade sexual. Lana é lésbica, foi casada com uma mulher por alguns anos e, juntas, adotaram duas crianças, um menino e uma menina*. É interessante como a vida dá voltas, dá voltas e acaba fazendo pessoas que conviveram, direta ou indiretamente, décadas atrás se reencontrarem. É o meu caso e de Lana. Ela é um ano mais nova que eu e estudamos no Instituto Educacional de Alencar, quase trinta anos atrás. O tempo passou e, agora, trabalhamos no mesmo projeto. Ainda criança, ela foi aluna particular de minha irmã e conta que torcia para que o dia da aula chegasse logo para ler minha coleção de revistas da Turma da Mônica. Só vim a saber disso poucas semanas atrás, quando ela me visitou em casa. O primeiro contato que fiz com a Lana para escrever em Sem Barreiras foi ano passado, época em que entendi onde o Sem Barreiras estava inserido, em um contexto de Direitos Humanos (voltarei a isso mais pra frente). Ela gostou da ideia e me pediu um tempo para arrumar umas questões particulares. Voltamos a nos falar nesse ano e fechamos.

Ano passado também foi quando eu conheci um pouco do trabalho literário dela. Lana possui um canal no youtube (conheça aqui), em que ela discute a temática da homossexualidade, conta um pouco de sua história e ajuda e orienta jovens. Assisti aos seus vídeos e uma frase dela me chamou a atenção porque casou com uma de Ana Beatriz Praxedes, em 2009, quando a entrevistei na Rádio Universitária. Àquela época, eu me martirizava, de certa forma, por não fazer nada, profissionalmente, na área de deficiência. Não me refiro, especificamente, a movimento social, mas a qualquer atividade. Bia contou que somente se descobriu parte de um universo mais largo da deficiência física após sua formatura na Faculdade de Psicologia. Até então, ela lidava com a questão sob uma perspectiva muito pessoal. Eu me enxerguei nesse depoimento. Ao longo da minha vida, sempre ouvi as pessoas dizerem que eu era igual a elas e que a cadeira de rodas era um mero detalhe. Isso não mudou, mas um adolescente não costuma ter a sabedoria ou experiência para interpretar essa frase e não se sentir “menos deficiente” ou que a deficiência não importa. As pessoas falavam tanto que eu era igual a todo mundo que eu não conseguia enxergar como elas me enxergavam, fisicamente. Como Ana Beatriz, eu também tinha uma perspectiva pessoal da deficiência. Lutava por melhorias naquilo que era da minha necessidade de momento.

Quando fiz meus trinta anos, uma sucessão de fatos contribuiu para um fenômeno interessante comigo. O primeiro deles foi ter começado a trabalhar na assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal de Fortaleza, na primeira gestão Luizianne Lins. Eu era responsável pelo site da PMF (a internet no meu destino). O Paço Municipal estava em obras e a sede fora transferida para um prédio na Luciano Carneiro. Não havia acesso para mim e, por essa razão e por trabalhar no site, acertamos que eu ficaria em casa mesmo. Por um lado, foi uma boa notícia, pois não precisaria me deslocar, era menos cansativo e estaria no recesso do meu lar. Contudo, por outro lado (saudoso mestre Agostinho Gósson dizia para evitarmos a expressão ‘por outro lado’, que parecia sexo anal, mas enfim…), foi ruim. Foi nessa época que iniciou o período de sedentarização na minha vida. Eu trabalhava à tarde e dormia a manhã toda, ou seja, por seis anos, reduzi bastante minha vida social. O máximo que fiz foi um semestre na Cultura Hispânica e só. Nessa época também, “chutei o pau da barraca” em termos estéticos. Engordei, parei de me preocupar com coisas pequenas e meio que alimentei a ideia de que não precisaria cuidar dessas coisinhas, pois nada mudaria o fato de ser deficiente, cadeirante, pequeno, com escoliose, braço curvado, etc e tal. Para que me preocupar com corte de cabelo, unha, barba e tudo o mais se não mudaria quem eu era? Foi uma época complicada**, admito, que passou. Escrevi aqui sobre autoboicote.

A frase de Lana foi dita em resposta a uma garota que perguntou como lidar com a rejeição dos pais à homossexualidade dela. Lana disse que ela não podia fazer nada quanto a isso, mas “podia e devia se aceitar”. Se a frase teve efeito na garota, não sei, mas teve em mim porque me remeteu àquela época. É incrível como frases soltas, ditas em outro contexto totalmente diferente, podem ter tanto significado para nós. A mensagem de Lana, seu ensinamento, não foi direcionada para mim, mas serviu para mim. Essa coisa de “se aceitar” é uma das principais providências que devemos tomar na vida, mas é igualmente uma das, se não a mais, difíceis. No início da minha vida adulta, já escrevi sobre isso aqui, tomei a decisão de que eu deveria me sobressair intelectualmente já que não seria possível fazê-lo fisicamente. Com 18, 19 anos, o pensamento pareceu perfeitamente lógico e coerente. Hoje, vejo como ele me prejudicou em diversas ocasiões. Eu não me aceitava. Sabia que eu não era coitadinho, bichinho, nada parecido, mas se aceitar é muito mais do que isso. É você ir à guerra com apenas um estilingue e acreditar que é possível vencê-la. É se apaixonar por alguém já comprometido e confiar que você pode fazê-la repensar seu compromisso e, quem sabe, terminá-lo por sua causa. É você ressaltar o que tem de melhor (por menos que seja, não importa) e seguir em frente.

A vida é isso, é uma sucessão de aprendizados. Com Sem Barreiras, aprendi a me conhecer melhor e entender que muitas dores que senti, ao longo dos meus 40 anos, não são apenas minhas. Se com Ana Beatriz, foi necessária sua formatura para que ela se descobrisse numa perspectiva social das pessoas com deficiência, Sem Barreiras fez isso comigo. Li diversos artigos, nesses seis anos, que pareciam ser a história da minha vida. E isso é ótimo. Significa que fazemos parte de um todo, de uma comunidade. Daí porque criei o Fórum Sem Barreiras de Acessibilidade e Cidadania. Daí porque estou escrevendo um livro. O entendimento de que SB está inserido no contexto dos Direitos Humanos foi o mais recente aprendizado. Ouvimos com frequência citarem mulheres, negros e homossexuais como as minorias. E os deficientes? Por que não somos lembrados? Nossas demandas seriam atendidas com muito mais facilidade se não estivéssemos imersos na invisibilidade criminosa que a sociedade, e nós mesmos, nos meteu. Quando exigimos uma rampa, um elevador ou um banheiro adaptado, não estamos pensando somente em nós mesmos. Se exigimos que um autista, um surdo, um cego, um down tenha vez no mercado de trabalho, estamos exigindo que sejam respeitados seus direitos como seres humanos e isso vai impactar em suas famílias, seus amigos e nos negócios que os contratarem. Sem Barreiras recebe a coluna Diversidade é a pauta de hoje! de braços abertos e com a esperança de que se juntem a ela colunas sobre movimento negro, de mulheres, direitos das crianças. Somos todos parte de um universo só, somos todos seres humanos e temos todos os mesmos direitos.

P.S. Vocês devem ter notado, e estranhado, os asteriscos que usei no texto. Pois bem, são mais dois aprendizados. No primeiro asterisco, usei, originalmente, a expressão ‘(…) duas crianças, um casal’ e troquei pela forma que lá está. Por que fiz isso? Porque fui traído pela prática cotidiana de nos referirmos a casal como a união de homem e mulher quando isso não é verdade. Lana e sua ex-parceira formavam um casal e essa é uma das bandeiras de luta dos movimentos em prol da diversidade. O termo casal precisa deixar sua conotação de união entre homem e mulher e passar para sua compreensão mais ampla, união de duas pessoas. No segundo asterisco, escrevi “época negra” para me referir ao período difícil da minha vida e troquei por época complicada. Mais uma vez, fui traído pelo senso comum de associar a negritude a coisas negativas. Vimos, recentemente, a campanha da Dove que fez a mesma coisa, de forma bem mais escancarada, e toda a polêmica que criou. Para alguns, esses tópicos são um bobagem, “frescura”, mas não são. Temos de pensar pela cabeça de quem sofre na pele essas questões. Pensemos pela perspectiva de um negro, tendo sua cor associada a fatores negativos. Como nos sentiríamos? Ou duas pessoas que se amam, se completam e se fazem felizes, mas não são consideradas um casal, simplesmente, porque são do mesmo gênero? O Brasil tem um déficit social enorme e muitas pessoas criticam os movimentos de Direitos Humanos por acharem que eles existem para “defender bandido”. O déficit está, não na defesa do bandido, mas no desconsiderar que bandido também é ser humano. Enfim, são aprendizados e crescimentos do dia a dia. Comentem e deixem suas opiniões sobre esse tema.

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