Victor Vasconcelos

Deficiente do pescoço para baixo, não para cima

09/10/2011 Depoimentos, Histórias de vida 10
Victor Vasconcelos

Victor Vasconcelos

Acredito que a melhor forma de começar essa seção de Depoimentos é dando o meu próprio. Tenho 34 anos e nasci com Osteogênese Imperfeita, uma patologia que enfraquece os ossos, dificultando seus portadores de andar e ainda os acometendo de inúmeras fraturas ao longo da vida. Nos meus primeiros 15 anos, tive mais de 50 fraturas, incluindo pernas, clavículas e braços. Para o leigo, esse número pode parecer alarmante e exagerado, mas não é. Qualquer pancada, susto ou desequilíbrio provocava uma fratura. Daí a doença ser também chamada de ‘ossos de vidro’.

Dito isso, é importante salientar que minha infância foi bastante peculiar, permeada por vários períodos de muita dor e limitações. Não podia correr, brincar nem nada que uma criança ‘normal’ faz. Jogar bola, uma das minhas grandes paixões, era impensável. Apesar das dificuldades, fui uma criança feliz. No final dos anos 70, quando nasci, a pesquisa médica para minha doença era bem incipiente. Mesmo meu pai sendo médico e professor da Faculdade de Medicina, não havia informações de tratamento, causa ou cura. Assim, os cuidados para não haver acidentes passaram a ser prioridade na minha família, além, é claro, de não me isolar ou fazer com que eu me sentisse inferior às outras pessoas. Nesse ponto, minha família venceu por goleada. Fui criado igual aos meus quatro irmãos, sem essa de ‘coitadinho’.

Com o passar dos anos, os ossos ganharam mais resistência e as fraturas foram rareando. As limitações físicas ainda existiam e sinto que meu amadurecimento emocional se deu em uma velocidade menor. Eu era o filho caçula e cercado de proteção. Freqüentei escolas normais, jamais fiquei dentro de casa e sempre tive muita facilidade em fazer amizades. Outra goleada de meus pais e irmãos por permitirem que crescesse sem preconceitos ou traumas excessivos. Meu pai sempre me disse: “seu problema é do pescoço pra baixo; do pescoço pra cima, você é igual a qualquer outra pessoa”. Isso significou muito para mim.

Aos 19 anos, entrei para a faculdade de jornalismo na UFC. Fui diretor do Centro Acadêmico, convidado para fazer parte do DCE. Procurei participar de todas as atividades culturais, acadêmicas e políticas que pude. Indo aonde minha cadeira de rodas podia me levar. Fiz grandes amizades, tive minhas paixões, decepções, alegrias, conquistas. Formei-me em 2000, fui eleito para a direção do Sindicato dos Jornalistas por duas vezes. Cresci muito e aquele amadurecimento tardio agora já não existia. No entanto, faltava eu fazer algo sobre minha deficiência. Nunca participei de grupos ou associações de deficientes físicos. Nunca tive contato com outros iguais a mim, nunca compartilhei minhas experiências com iguais. Isso nunca me fez falta até a entrada na faculdade.

Em 2008, comecei a mudar essa realidade. Criei um programa de rádio intitulado Sem Barreiras, na Rádio Universitária, junto com o amigo Fred Miranda. Entrevistei cinco pessoas – um deficiente visual, dois cadeirantes, um arquiteto e uma educadora. Identifiquei-me com muito do que foi dito. Percebi também que esse muito me causou um certo desconforto. Infelizmente, não pelo desconforto, o programa não foi ao ar. No entanto, aqueles assuntos eram sérios demais para serem perdidos. Três anos depois, entra no ar o Sem Barreiras, agora na internet. Como diz o título ‘Acessibilidade e cidadania andam juntos’, será esse o mote do site. Esse foi o mote de minha vida, sempre ciente dos meus direitos e das minhas obrigações como cidadão. O objetivo agora é ajudar as pessoas a entenderem que somos todos cidadãos. Este espaço está aberto a quem quiser compartilhar seu depoimento.

Victor Vasconcelos, jornalista e idealizador do site Sem Barreiras

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10 Comentários

  1. Anna Frota 13/10/2011 Responder

    Parabéns pela iniciativa, meu primo querido! Vou divulgar esse site com o maior prazer. Beijos.

  2. Porcina Frota 13/10/2011 Responder

    Tenho o maior orgulho de ser sua tia, Victor!!! Estou divulgando o site, precisamos ter a consciência de que acessibilidade e cidadania andam juntas, SEMPRE!!!! Parabéns por esse trabalho maravilhoso!!! Bjs

  3. Beto Ponte 14/10/2011 Responder

    Muito boa Victinho! Esse site tem muito a ensinar grande parte parte da populacao, que é bastante escassa de conhecimento sobre esse assunto! Parabéns!! Irei divulgar o site com grande prazer!

  4. Kélia Jácome 15/10/2011 Responder

    Muito bom, Victor! Ótima iniciativa. Vou ajudar a divulgar. Bjs. 😉

  5. Zilda Mourão 16/10/2011 Responder

    Victor,Parabéns pela nobre iniciativa e pelo que se propõe a fazer nesse espaço. Serei também uma ferramenta de divulgação do site. Grande abraço e fica na paz.

  6. Alderico Magalhães 19/10/2011 Responder

    Tenho muitos pontos em comum com você. Também sou deficiente e jornalista. Gostaria muito de lhe conhecer. Parabéns!

  7. Geovane 20/10/2011 Responder

    Parabéns pelo site!
    Sua força de vontade é um estímulo p/ mim!!

  8. Elizeu Sousa 04/05/2012 Responder

    Victor, estou convicto da importância desse seu trabalho!
    Uma tacada de maestria!
    Trocadilhos à parte…
    Valeu, meu camarada!
    Pode contar com esse teu ex-colega de especialização que de vez em quando aparece, feito alma! Graaaaaaaaaaaaaaaaaande abraço!

    • Victor Vasconcelos 04/05/2012 Responder

      Obrigado, Eliseu. Seu apoio é muito importante, tenha certeza. Qualquer sugestão, não esqueça de me avisar, ok? Grande abraço, amigo.

  9. Conceição 14/05/2012 Responder

    Vitor, parabéns pelo site, o descobri agora. Meu primeiro contato com a deficiência foi há 10 anos, atráves de meu namorado que era deficiente e depois sofreu amputação dos membros inferiores. Após essa data, comecei a participar de alguns movimentos de pessoas com deficiencia, etc e tal. Enfim, esse relato foi apenas para te dizer que pode contar comigo. Abços

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