Empresas alegam falta de qualificação profissional

24/07/2012 Notícias 1
Ruth Cavalcante recebendo prêmio Mulher-Cidadã Bertha Lutz 2011

Ruth Cavalcante recebendo prêmio Mulher-Cidadã Bertha Lutz 2011

Apesar dos inúmeros avanços que a Lei 8.213 trouxe, nem tudo são flores. Ana Maciel, presidente da ADM-CE (Associação dos Deficientes Motores do Ceará), alerta para o fato de que muitas empresas se recusam a contratar pessoas com deficiências graves, aceitando apenas deficiências leves. “A Lei é muito importante, pois empregou uma grande quantidade de pessoas, mas o processo é complexo e o caminho para a conscientização e aceitação é longo”. Ela afirma que a ADM possui vários currículos de profissionais em busca de emprego e, na medida em que as empresas solicitam sugestões de nomes, a Associação recorre a eles. No entanto, nem sempre obtém êxito. “Muitas vezes, a empresa exige também nível superior, o que é outro problema grave dado à baixa escolaridade dos deficientes no Estado”, completou. Para ela, os deficientes auditivos são os que mais sofrem por necessitarem de tradutores de Libras. “As empresas alegam que os custos para adaptação do local de trabalho são muito altos”, disse.

Ruth Cavalcante acredita que o maior problema está com a deficiência que atinge a inteligência cognitiva. “Eu trabalho em uma ONG de Educação Biocêntrica, em que a vida é tratada como o centro da relação e incentivamos a chamada inteligência afetiva, em que a pessoa é vista como cidadã e não pela sua deficiência ou suas dificuldades”, relata. Ela concorda com Ana Maciel no que se refere aos surdos e cita também as deficiências intelectuais. Porém, Ruth acredita que os deficientes são mais úteis e têm melhor desempenho do que os não deficientes em algumas tarefas. Sua experiência mostra que, em locais muito barulhentos, a produtividade dos surdos é bem maior do que a dos ouvintes. Outro exemplo é o de pessoas com Síndrome de Down, cuja deficiência dá ao seu portador uma grande capacidade de disciplina e organização. Ela é mãe de Mariana Cavalcante, 34, que tem Down e, atualmente, trabalha no Centro Cultural Banco do Nordeste e na Compedef (Coordenadoria Municipal de Pessoas com Deficiência). Segundo ela, Mariana recebeu muita ajuda profissionalizante da Apae (Associação de Pais e Amigos de Excepcionais) e convive muito bem com seus colegas.

A qualificação do profissional com deficiência é uma questão que vem sendo debatida no meio. Edson Defendi, coordenador de empregabilidade e projetos especiais da Fundação Dorina Nowill para Cegos, afirma que esse problema não se restringe aos deficientes. “Isso (falta de profissionais) é um problema geral. O Brasil está num crescimento econômico e tem vagas que não são preenchidas porque não há pessoas capacitadas. Hoje há mecanismos para capacitar essas pessoas com deficiência. Até mesmo as empresas estão desenvolvendo esses cursos”, completou. A Fundação Dorina Nowill para Cegos é uma das instituições que buscam preparar as pessoas com alguma deficiência física para ingressar no mercado de trabalho. No Ceará, o SINE/IDT, em parceria com a STDS (Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social) do Governo do Estado, promove cursos profissionalizantes voltados a esse público. Além dele, a Apae e outras instituições também se preocupam em preparar os deficientes para o mercado de trabalho.

O que tem garantido a aplicação da Lei é a punição imposta às empresas infratoras. Segundo o Ministério Público do Trabalho de São Paulo, no primeiro semestre deste ano, foi registrado um aumento de 83,3% nas denúncias contra empresas em relação ao mesmo período de 2010. As reclamações dizem respeito às humilhações no ambiente de trabalho, além de empresas que não cumprem a cota exigida e profissionais que são dispensados logo após a cota ser cumprida. De acordo com a advogada Simone Varanelli Lopes, especializada em Direito Trabalhista, a própria punição imposta a algumas empresas fez com que a questão fosse mais bem assimilada e cumprida pelo setor empresarial. “As próprias punições que as outras empresas já sofreram foram divulgadas. Então, para evitar esse tipo de problema, as empresas têm buscado esses profissionais no mercado”, concluiu.

Carlos Chagas, advogado trabalhista

Carlos Chagas, advogado trabalhista

O também advogado trabalhista Carlos Antônio Chagas, há 24 anos atuando no campo jurídico, afirma que, do ponto de vista legal, a Lei é muito bem feita. No entanto, o problema é muito amplo para ser solucionado por um ato simples. “A questão é social, cultural e educacional. Existe muita desinformação e preconceito e não se combate isso com legislação”, disse. Ele defende ações públicas de conscientização para tirar dos deficientes a imagem de coitadinhos e colocá-los como cidadãos. Carlos Chagas afirma que tem ouvido muito debate no meio trabalhista da cidade sobre essa questão e uma das queixas do setor empresarial é a dificuldade de adaptação para as necessidades físicas do deficiente. Ele defende, inclusive, que haja uma isenção fiscal para as empresas realizarem as reformas de acessibilidade. “Tudo tem de acontecer dentro de um diálogo entre todos os envolvidos, pois todos sairiam ganhando”, afirma.

Simone Varanelli reconhece que o assunto é complexo e sua solução passa pela compreensão de que “nem todo deficiente é bonzinho e nem todo empresário é ruim”. Ela conta que alguns de seus clientes ouvem de trabalhadores com deficiência, que faltam ou chegam atrasado, algo como: ‘se você não está contente eu vou embora, mas cuidado com as cotas’. Do mesmo modo, há empresas que calculam quanto é a multa para não inserir nenhum deficiente. Finalmente, ela cita pessoas com deficiência que não querem ser inseridos no mercado, pois são atendidos pelo LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), que lhes garante um valor fixo mensal, mesmo que baixo. “Muitas vezes, o deficiente prefere a garantia do benefício ao invés de ingressar no mercado de trabalho”, diz.

Como disse Ana Maciel, “o caminho é muito longo”. Processo que passa pela compreensão da capacidade da pessoa com deficiência exercer uma função profissional, exercer sua cidadania e ter seus direitos e deveres preservados. “Muitos ainda têm uma crença e uma idéia muito distorcida de que a pessoa com deficiência não é capaz, não pode produzir, que precisa ser tutelada no trabalho. Quando ela vai para um ambiente de trabalho que está preparado para acolhê-la e as pessoas entendem que ela é tão capaz quanto qualquer outra, cai por terra essa imagem do deficiente coitadinho, ou daquele super poderoso que pode fazer tudo”, afirma Edson Defendi, da Fundação Dorina Nowill para Cegos.

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1 Comentário

  1. Nadja Pinho 01/08/2012 Responder

    Ótimas matéria e entrevistas, Victor. Estão postos aí todos os aspectos positivos e negativos quanto ao cumprimento desta lei. As questões educacionais e culturais realmente demandam um tempo maior para se ver surgir mudanças efetivas. Precisamos continuar avançando nas campanhas e divulgaçâo deste direito, bem como na orientação para que as pessoas com deficiência busquem à educação formal e sua capacitação profissional, para que possam alcançar de fato a equiparação de oportunidades no mundo do trabalho e, consequentemente, possam optar por prescindir do benefício da prestação continuada e alçar maiores e melhores conquistas no campo profissional.
    Gostaria, no entanto, que fizesse uma retificação no texto quanto ao nome da Coordenadoria de Pessoas com Deficiência – Copedef – da Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza – SDH.

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