Educação inclusiva é sinônimo de amor e acolhida

15/10/2012 Notícias 5
Entrevista ocorreu na Rádio Universitária com Victor Vasconcelos e Fred Miranda (e)

Entrevista ocorreu na Rádio Universitária com Victor Vasconcelos e Fred Miranda (e)

No Dia dos Professores, Sem Barreiras homenageia a classe, reprisando a entrevista com a pedagoga Nildes Alencar, realizada em setembro de 2011 e uma das primeiras publicações do site. Parabéns a todos os responsáveis pela formação de cada um dos brasileiros, os responsáveis pelo início de vida de todos nós, que nos ensinam não apenas o be-a-bá, mas a sermos cidadãos.

A professora Nildes Alencar Lima tem mais de quarenta anos de experiência na arte do magistério. Fundou duas escolas, o Instituto Educacional João XXIII, em fevereiro de 1964, e o Instituto Educacional de Alencar, em 1968, a Escolinha. Esta última é considerada por muitos como pioneira no trabalho com crianças com deficiência, tendo recebido, ao longo de 32 anos de vida, mais de 300 destas crianças. Atualmente, ela está aposentada e é Secretária de Educação do Município de Jucás, a 407 km da capital Fortaleza. Ela conversa com SEM BARREIRAS sobre a experiência educacional de inclusão das crianças com deficiências.

Professora, gostaria que a senhora falasse sobre o trabalho de inclusão das crianças com deficiência realizado pela sua escola, o Instituto Educacional de Alencar.
A questão da criança com deficiências me marcou muito no meu início de magistério. Fui muito preparada sob o ponto de vista cristão, universal, apesar de ainda não ter noção de direitos humanos. Comecei a lecionar e um dia entrou na minha sala uma criança com grandes dificuldades de aprendizagem. Eu era muito leiga, uma simples professorinha do ensino normal, não tinha sequer nível universitário (só entrei na universidade depois de nove anos de profissão). Então, essa criança me preocupou muito e eu me debrucei sobre as dificuldades dela e vi que ela tinha condições de aprender, desde que houvesse um acompanhamento. Isso me ligou muito afetivamente, não foi científica, mas sim humanitária. Quando fundamos o Colégio João XXIII, chegou, certo dia, um casal, ambos muito aflitos, pedindo uma vaga para a filha de nove anos. Já haviam batido em várias portas e nenhuma a havia aceito, pois ela tinha um retardo de cinco anos. Aquilo me sensibilizou e tive a coragem de receber a criança. Foi muito trabalhoso, mas tivemos muita ajuda do casal. No final, o trabalho foi um sucesso. A partir daí, começamos a acolher crianças com deficiências física, motora, mental, auditiva, etc. Começamos o trabalho com os professores, com muita dificuldade, pois não tínhamos nenhuma experiência nesse sentido. Procurávamos ajuda de psiquiatras amigos, como o Dr. Miguel Arraes, ou neurologistas, como a Dra. Silvia Lemos, eram poucos os profissionais especializados nessa área naquela época. Alguns anos depois, saio do João XXIII e fundo o Instituto Educacional de Alencar, a Escolinha, e esses alunos nos acompanham. As escolas não recebiam essas crianças por preconceito apenas, mas também por serem incapacitadas para esse trabalho. Havia ainda pressão de familiares das crianças ditas normais, que temiam que as crianças com deficiência prejudicassem seus filhos. No entanto, nós aceitamos o desafio, pois víamos que, na prática, havia um bom envolvimento entre as crianças e o preconceito não se dava de criança para criança.

Nildes Alencar falou de seu pioneirismo na educação inclusiva da cidade

Nildes Alencar falou de seu pioneirismo na educação inclusiva da cidade

É correto afirmar que o relacionamento entre crianças com deficiência e as que não têm deficiência é benéfico para ambas?
É benéfico, muito. Nós temos provas concretas. Foram 32 anos de vida escolar, com esse trabalho. Nós tínhamos um sistema de avaliação escolar, ao final da oitava série, em que nós pedíamos que os alunos fizessem uma avaliação de seu tempo na Escolinha e o depoimento mais recorrente eram os elogios ao relacionamento com as crianças especiais. Um aluno escreveu: “tenho certeza de que, se eu tiver um filho com deficiência, não terei nenhum problema em acompanhá-lo”. Ouvir esse depoimento de uma quase criança de 14 anos é certeza de que a experiência foi válida. O sentimento de riqueza, solidariedade e partilha uns com os outros, dentro da sala de aula… Às vezes, havia preconceito, uma criança massacrava outra com deficiência no recreio, e a escola intervinha, de maneira dura, para chamar a uma reflexão, com medidas pedagógicas drásticas. Mas, não era o comum; o comum era um ótimo relacionamento entre elas. Ao longo dos 32 anos, passaram cerca de 300 crianças com deficiência pela Escolinha.

Como coadunar a questão educacional da criança com deficiência e suas necessidades especiais com a questão cada vez mais presente do lucro que permeia as grandes corporações educacionais nesse país?
Não é fácil. Mas, também não é tão difícil como foi no nosso tempo. Eu posso dizer que a falência da Escolinha se deu muito em virtude da obrigação de nós reduzirmos o número de alunos para que pudéssemos fazer esse trabalho mais especializado, de integração entre as crianças. Você não pode apenas acolher, você tem de dar condições e um acompanhamento mais próximo a elas. E para dar essas condições, você precisa fazer investimentos mais pesados na infra-estrutura da escola e você não pode cobrar mais caro das crianças com deficiência. Todas as legislações educacionais, começando pela Constituição, passando pela Lei de Diretrizes e Bases e terminando pelos regimentos escolares, definem um alinhamento em relação à inclusão dos alunos com deficiência. No entanto, as escolas ainda camuflam um pouco essa questão.

Nildes recebe do vereador Guilherme Sampaio Medalha Paulo Freire

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Como é a relação dos educadores com as crianças com deficiência?
Na parte teórica, nós temos um bom volume de material didático que trata das crianças com deficiência e como trabalhar com elas. Além disso, tem havido um bom trabalho na tentativa de livrar os educadores dos seus preconceitos. Já há uma grande parte de professores se sentindo capazes de realizar esse trabalho. Isso vem se firmando. Agora, não vejo como fazer esse preparo. Eu entendo que a primeira condição para o professor é estar limpo de preconceito. A questão estrutural e material é importante, mas não acredito que, primeiro deva-se preparar e depois receber. Pela minha experiência, o preparo vem com o tempo. Nós chegamos a esse patamar atual de inclusão graças ao trabalho de inúmeras escolas pequenas como a minha, pelo Brasil todo, uma luta silenciosa, difícil, de mães que tinham seus filhos e foram vencendo as barreiras, até a criação de uma legislação específica. Quanto à professora estar preparada para trabalhar com criança deficiente, em uma análise profunda, nem todas nós estamos preparadas. Nossos cursos são muito deficitários nesse sentido. O aprendizado vem na prática, na sala de aula. Outra questão: boa parte do magistério de hoje vem de classe social baixa, com pouca cultura, pouca leitura, a maioria dos professores não gosta de ler, isso influencia. Quando eu falo de mim, eu falo de um grupo de professores, de uma equipe que trabalhou comigo. E nós conseguimos lendo, discutindo, refletindo. Em Jucás, nós temos crianças com deficiência e nosso primeiro trabalho com os professores é do amor, da acolhida a essas crianças, evitar o distanciamento com as demais.

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5 Comentários

  1. Conceição Frota 13/10/2011 Responder

    Meus filhos foram alunos da Escolinha, da profa. Nildes Alencar. Eles só tiveram a ganhar convivendo com os alunos deficientes. Aprenderam a respeitar, cuidar, proteger e ajudar esses colegas. E, principalmente, aprenderam a ver o “diferente” como normal. Meus filhos nunca se espantaram ao se deparar com uma pessoa com qualquer tipo de deficiência nas ruas. Foi muito enriquecedor para eles e para nós, pais.
    Aproveito para agradecer à Nildes Alencar, a maior educadora que conheci, pelo profundo amor ao seu trabalho e pela parceria que tivemos na educação dos nossos filhos.

  2. Porcina Frota 16/10/2011 Responder

    É uma pena que a Escolinha tenha fechado. As “grandes” escolas não têm o menor interesse de trabalhar a inclusão e facilitar a acessibilidade das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. Hoje, infelizmente, escola virou sinônimo de empreendimento empresarial…lucro.
    Nildes Alencar e sua equipe fazem uma falta enorme no cenário da educação!

  3. Maria Mercedes Capelo Alvite 14/04/2012 Responder

    Fui professora do João XXIII e da Escolinha, onde fui também supervisora. Meus sobrinhos e minha irmã estudaram nesta última e, posteriormente, meus filhos também. A acolhida a crianças com algum tipo de deficiência é realmente uma marca da Escolinha, mas só um aspecto de uma questão mais ampla de respeito e valorização do ser humano em sua totalidade. À frente destas escolas, a Nildes possibilitou e gerenciou um trabalho espetacular junto a alunos, pais e professores. É realmente uma pena que esta escola tenha fechado suas portas. Aproveito para parabenizar pela entrevista e pela escolha da pessoa certa para falar sobre esse assunto.

  4. Amália Barreto 16/10/2012 Responder

    Parabéns a Educadora exemplar Nildes Alencar, pela oportunidade, belo e corajoso trabalho de inclusão educacional dos jovens deficientes!

  5. Erotides Ribeiro Neto 29/09/2015 Responder

    Fui aluno da Escolinha durante muitos anos, entre as décadas de 80 e 90. Aprendi a conviver e a respeitar todos os alunos deficientes que estudaram comigo. Foi um verdadeiro avanço para a educação cearense. Saudades das minhas épocas de Escolinha. Abraços!

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