Fábio Ludwig, Antônio e Ana, com a bandeira do Brasil ao fundo

O primeiro

20/03/2013 Deficiência Intelectual, Depoimentos, Histórias de vida, Notícias 0
Fábio e Ana no aniversário de um ano de Antonio

Fábio e Ana no aniversário de um ano de Antonio

Em homenagem a todos os pais de filhos com deficiência ou não, Sem Barreiras publica um artigo escrito pelo redator publicitário Fábio Ludwig. Casado com Ana, tem um filho, Antonio, que nasceu com uma síndrome sem nome, caracterizada pela falta de uma parte no cromossomo 6, o que afeta o desenvolvimento dele de uma maneira geral. Antonio possui 18 meses e este texto foi escrito em 6 de fevereiro deste ano, pela passagem de seu primeiro ano de vida. Sem Barreiras deseja a você, Fábio, e a todos os pais um feliz Dia dos Pais com seus filhos. Segue o texto:

“Antonio, meu filho,

Hoje é seu aniversário. O seu primeiro aniversário. E só agora, que deu o exato instante em que há um ano você estourou a bolsa e avisou que estava na hora, este texto parece pronto para nascer também.

Apesar de estar completamente voltado para o futuro – e para tudo o que os próximos meses reservam para nós – hoje tirei um tempo para olhar para trás e rever um pouco do que passamos juntos. Foi uma estrada longa, nem sempre percorrida pelo asfalto. Desbravamos mata fechada, pegamos chuva, erramos alguns caminhos. Mas no fim, chegamos ao seu primeiro ano com mais dias bons do que ruins. Mais bênçãos para agradecer do que motivos para lamentar.

Porém, enquanto transportava minha mente para o passado, fiz apenas uma rápida parada no dia do seu nascimento. Olhei em volta, vi que as lembranças ainda estavam todas vivas, mas percebi que não era ali que eu deveria desembarcar. É que na verdade você nasceu há muito tempo. Há muito mais do que um ano. Achei que você gostaria de saber. Achei que valia a pena contar.

**

Talvez no dia em que você saiba ler este texto com os próprios olhos o conceito de distância seja bem diferente, mas acredite: no tempo em que sua mãe e eu começamos a namorar, 1.000 quilômetros entre uma cidade e outra era chão suficiente para que a gente ficasse meses sem se ver.

Ela morava em Brasília, eu em São Paulo. A internet ainda estava nos primórdios. Conversas por vídeo eram pouco mais do que miragem. Viagens de avião e ligações por telefone custavam caro. Ainda mais para dois estudantes como nós, que, apesar de terem saído das fraldas há um tempo considerável, ainda dependiam dos pais para tudo o que você pode imaginar.

As apostas eram todas no fim. Comentaristas de plantão acreditavam no distanciamento natural causado pela falta de convívio. Os mais maledicentes desconfiavam de uma inevitável infidelidade, certos de que, mais dia, menos dia, um de nós trocaria o outro por alguém que estivesse presente, que vivesse por perto.

Fábio e sua esposa Ana com o pequeno Antonio

Fábio e sua esposa Ana com o pequeno Antonio

Porém, sem muitas ambições para o dia seguinte, sua mãe e eu fomos vivendo o nosso namoro um passo de cada vez, com altos e baixos como qualquer outro casal, com intermináveis conversas ao telefone madrugada adentro (depois da meia-noite, a tarifa era menor), com brigas e pazes como em todo relacionamento e, sempre que possível, com visitas para lá e para cá.

Não havia muito tempo que estávamos juntos quando sua mãe fez a primeira visita à minha casa em São Paulo. Conversa vai, conversa vem, quando percebi, ela havia retirado uma estátua de Santo Antônio da mala e colocado bem ao lado da minha cama, para que o santo memorizasse o meu rosto e, provavelmente, me vigiasse de perto.

Santo Antônio, meu filho, segundo a crendice, é o socorro das moças que desejam se casar. O problema é que – dizem os devotos – o santo se compromete apenas em arranjar o marido, sem consulta prévia de caráter, ficha criminal ou situação bancária. Prevenida, sua mãe achou melhor apresentar logo o candidato preferido. Assim Santo Antônio poderia fazer o seu trabalho sem correr o risco de errar.

Caí da gargalhada quando vi a imagem ao lado da minha cama. Mas na verdade, por dentro, estava lisonjeado. Com aquele gesto, sem dizer uma palavra sequer, sua mãe estava me pedindo em casamento. E eu, também sem falar nada, decidi aceitar.

Foi naquele instante que você nasceu, meu filho. Nasceu a idéia de um futuro a dois. Nasceu a vontade de ter filhos juntos. De certa forma, seu nome também nasceu ali. Naquela época eram as nossas ações que falavam. Levar o santo na mala era sua mãe dizendo que queria ficar comigo. Rir em vez de me assustar era eu dizendo que desejava ao menos tentar.

Já se passaram mais de 10 anos e ainda estamos tentando com bastante êxito. Nesse meio tempo, voltei para Brasília, nos casamos (em uma igreja de Santo Antônio, é claro), tivemos alegrias e tristezas, mas, acima de tudo, criamos muitas histórias para contar.

Há exatamente um ano, toda essa insistência fez sentido. A sua chegada provou que era preciso que a gente soubesse nadar contra a maré. Era preciso que a gente aprendesse a viver sem garantias de futuro. Porque em nossa trajetória ainda havia a tarefa de criar um filho, um trabalho difícil por si só, mas quis a vida que esta missão viesse de uma forma especial.

Você, Antonio, é o maior orgulho que eu poderia ter. Em apenas um ano de vida, transformou tudo o que está a sua volta. Conseguiu realizar o mais difícil: mudar as pessoas. Começou por mim e por sua mãe, mas continuou pela nossa família, pelos nossos amigos e agora, gente de todas as partes começa a acompanhar os seus passos, a refletir com os seus desafios, a vibrar com as suas vitórias.

No dia seguinte ao seu nascimento, quando fui fazer o seu registro no cartório, tirei o acento do seu nome. Queria um nome brasileiro, mas escrito de uma forma que qualquer língua pudesse abraçar. Mas, no fundo, modifiquei seu nome porque sabia que você era único. Sabia que ganharia o mundo. Então, tirei o seu chapéu. São pessoas como você que o sol quer iluminar.

Parabéns pelo seu aniversário, meu filho. Amo você incondicionalmente.
É uma honra ser seu pai”.

* Este texto e fotos foram tirados do site Flizam, blog pessoal de Fábio Ludwig. O espaço está aberto a todos que desejarem compartilhar suas histórias com pessoas com deficiência.

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