Abordagem do autismo em novelas é considerada importante

12/06/2014 Geral, Notícias 0
O casal brinca na casa de Linda com tintas e pinturas, incentivando a carreira artística da moça

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A telenovela se refere à contribuição do Brasil na produção e exibição de novelas desde a década de 50. Sua Vida Me Pertence, escrita e dirigida pelo já falecido Walter Forster, e exibida pela extinta TV Tupi São Paulo entre 21 de dezembro de 1951 até 15 de fevereiro de 1952, foi a primeira do gênero, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. As telenovelas são costumeiramente tratadas como “obras abertas”, pelo seu enredo poder ser alterado durante a exibição de acordo com as reações do público. Ao longo dos últimos sessenta anos, vários temas considerados polêmicos e de responsabilidade social foram abordados por diversos autores, como o desaparecimento de crianças, na novela global Explode Coração, de Glória Perez, em 1995, ou a pedofilia, retratada pela trama Chamas da Vida, de Cristianne Fridman, exibida na Record, entre 2008 e 2009. No entanto, apesar de seu enorme apelo de público e grande penetração nas massas, a novela é um produto cultural e, portanto, sem compromisso com a veracidade dos fatos.

Luiz Tadeu Feitosa, professor de Cultura e Mídia do Curso de Biblioteconomia da UFC (Universidade Federal do Ceará), Mestre em Comunicação e Semiótica – PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica – São Paulo) e Doutor em Sociologia pela UFC, acredita que não cabe às telenovelas aprofundar cientificamente certas questões. Tadeu acredita que o sentido social de uma telenovela é entreter e divertir. “Uma telenovela confunde muitas vezes a venda da novela como um produto que é o que ela é com aspectos do que você chama de responsabilidade social”, afirma.

Para o professor, “as telenovelas parecem se contentar apenas em tentar reproduzir realidades que já se configuraram nos imaginários e nos cotidianos. Assim, mesmo reconhecendo que elas podem ser de vanguarda, como aconteceu com Beto Rockfeller (novela da extinta TV Tupi, exibida entre 1968 e 1969, de Cassiano Gabus Mendes, considerada um divisor de águas na história das teledramaturgias brasileiras), me parece querer demais que elas levantem bandeiras” (veja entrevista completa com Tadeu Feitosa na edição desta sexta-feira de Sem Barreiras). Então, a abordagem de um tema polêmico e delicado por uma novela, de forma superficial e romantizada, é positiva ou negativa? A Rede Globo de Televisão, maior produtora desse gênero cultural no país, encerrou em janeiro último a novela Amor à Vida, de Walcyr Carrasco, em que uma de suas personagens era autista. A forma com que o autor construiu a personagem Linda, interpretada por Bruna Linzmeyer, recebeu diversas críticas (leia aqui).

Fátima Dourado é mãe de dois rapazes autistas e tem larga experiência no estudo e tratamento do autismo

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Contudo, a simples abordagem do autismo em uma trama da Globo já é bem vista por alguns. A doutora Carla Gikovate, neurologista e especialista em autismo, afirma que “o número de crianças que apareceram no consultório em razão da abordagem demonstra o quanto o assunto é importante, mesmo sendo tratado dessa forma (superficial) na novela”. Fátima Dourado, médica pediatra e psiquiatra da infância e da adolescência, Diretora Clínica da Casa da Esperança em Fortaleza e Diretora Técnica da Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos da Pessoa com Autismo) é da mesma opinião: “Acho positiva (a abordagem). Quanto mais se fala em autismo, mais se desmistifica o tema. Com todas as falhas, a novela prestou uma contribuição importante à causa do autismo. Foram muitas as palestra e entrevistas que dei por causa da novela. A novela ajudou a divulgar o autismo e isso é fundamental”.

O psiquiatra Gustavo Giovannetti, coordenador do Centro de Referência da Infância e Adolescência da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) diz que “a novela é uma obra de ficção, portanto, tem licença poética para mostrar seus personagens”. E o lado negativo? O próprio psiquiatra responde: “abordar um assunto como a sexualidade dos autistas fora de um contexto específico pode ser uma fala superficial e acabar trazendo mais confusão do que esclarecimento”. Rita Valéria Brasil Santos, presidente da AMA (Associação de Amigos do Autista) da Bahia, condena a maneira como Walcyr Carrasco conduziu a trajetória de Linda. “É uma utopia o que a novela apresentou”. Mãe de um autista de 21 anos, Rita relembra que Linda foi criada sob um rígido controle dos pais e longe da sociedade, tornando pouco crível a possibilidade de uma interação com o namorado. “O autor preferiu mostrar apenas a questão de sexualidade e não mostrou a luta da família para conseguir escola, tratamento, diagnóstico. Ele (Walcyr) é um formador de opinião e tenho medo de que mães de autistas tenham a idéia da Linda na cabeça”, comentou.

A opinião é corroborada por Ana Maria Mello, superintendente da Associação de Amigos do Autista de São Paulo, e mãe de um autista de 32 anos. “A realidade da Linda é muito distante do que é o autismo. É muito romanceado. Não existe gente com autismo como a Linda, pelo menos que eu conheça”, disse. Segundo Ana Maria, da forma como foi mostrado na trama, o relacionamento entre Linda e Rafael não deveria acabar em prisão. Na vida real, porém, a situação seria diferente. “Dentro do enredo da novela, eu acharia uma injustiça denunciá-lo. Na vida real, seria abuso porque não existe a menor possibilidade de ser uma ação conjunta. O relacionamento é uma das maiores dificuldades que eles têm. É difícil você perceber um afeto. Até para demonstrarem afeto pela própria família é complicado”.

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