Esse tal mundo do autismo

18/02/2018 Deficiência Intelectual, Depoimentos, Direitos Humanos, Notícias 1
Foto vertical com um homem à direita, de óculos, barba, blusa verde e calça jeans; à esquerda, uma mesa com uma bandeja com uma garrafa, copos e xícaras, celulares, papel e uma mão

Alexandre Mapurunga

O autismo é um campo que vem ganhando cada vez mais notoriedade a partir da construção coletiva e do ativismo de profissionais, pais e, mais recentemente, dos próprios autistas. Mas, é um campo complicado, para dizer o mínimo.

O avanço do movimento do autismo, com seus signos e terminologias, figuras e lideranças, é claudicante, tenso, cheio de conflitos e exacerbações.

Através das redes sociais, novas dinâmicas se formam, novas referências são alçadas, novas alianças são feitas e depois se desfazem sem grandes motivos aparentes. Mas, os novos grupos que se formam ou rivalizam por questões das mais triviais, dificilmente, criam uma massa crítica coesa sobre questões fundamentais que envolvem os direitos das pessoas autistas.

Pais neófitos que estão constantemente entrando na luta, em geral, com a dor recente do diagnóstico, por vezes, se engajam no movimento com uma força de mover montanhas, sem considerar o caminho percorrido por outros ou a construção, reflexões e consensos já consolidados.

A experiência individual, então, vira uma verdade universal que pauta a política pública. Daí, vivenciamos a história do museu de grandes novidades, das rotas que não convergem para lugar nenhum ou do redesenho de ideias há muito superadas como se fossem o supra sumo do que há de melhor.

De outro lado, alguns movimentos são especialistas em perpetuar o luto, fazendo da própria condição de autistas e familiares, um lamento interminável. Não se trata aqui de desconhecer as dificuldades reais vivenciadas ante o descaso de políticas públicas extremamente frágeis, nem de deslegitimar a dor experienciada por muitas famílias, muito pelo contrário. É que o lamento catártico tem um apelo mobilizador muito grande, mas se ele não se converte em reflexão, em demanda, em pauta, em diálogo e em reconhecimento social, não haverá mudança de fato, apenas a manutenção de uma condição que naturaliza o sofrimento e inferioriza as pessoas.

Assim, o movimento do autismo tem muita força de mobilização, mas tergiversa por demais e quase nunca encontra um entendimento mínimo sobre o que quer da sociedade e da classe política, de uma maneira geral.

Mas, para quem quer entender sua própria condição e se posicionar nesse movimento com base em alguns parâmetros mínimos, existem alguns conceitos importantes que deveriam ser considerados de antemão, seja porque são resultados da construção de uma luta histórica de movimentos globais, seja para evitar que a roda estivesse por aí sempre a ser anunciada como se fosse a última invenção. Então, vamos lá.

O autismo é uma deficiência. A deficiência é uma característica humana como gênero, cor, raça etc. O modelo ético-político para orientar as questões da deficiência é o modelo social. Inclusão, não-discriminação, participação, acessibilidade, respeito pela diferença nunca devem ser esquecidos.

Assim, pessoas autistas têm os mesmos direitos e deveres que as demais pessoas, tais direitos, ou as ações afirmativas e os apoios necessários para o exercício desses direitos, não se confundem com privilégios ou compensação pela dor da deficiência.

Viver em comunidade, se aceitar e ser aceito por sua família são direitos fundamentais da pessoa autista. Da mesma maneira, também são direitos ir na escola, como qualquer criança em idade escolar; ter acesso e usufruir da mesma qualidade e variedade de bens e serviços públicos que as demais pessoas têm, sendo acolhido em suas especificidades; ter apoio para o exercício da autonomia e da vida independente; e ser protegido contra a violência, a segregação e o abandono.

Aí, estão o sentido e a direção do caminho a ser seguido, para quem quiser ou necessitar de um guia. Está tudo escrito em nossa lei maior, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem equivalência constitucional no Brasil (embora isso não seja grandes coisas hoje em dia por aqui). A Convenção é um texto que todos nós do movimento do autismo deveríamos conhecer, junto com outros também importantes como a LBI, a Lei 12764/2012 e o Decreto 8368/2014, para então discutir, incidir e fazer propostas de políticas públicas para pessoas autistas no sentido tornar real aquilo que já de direito.

Seguir essa rota é lutar coletivamente para superar o assistencialismo e a patologização do autismo e passar a olhar as pessoas autistas na perspectiva dos direitos humanos, da diversidade e da inclusão. Nem sempre é fácil perceber de início, mas esse é o melhor e mais seguro dos caminhos.

* O texto foi escrito por Alexandre Mapurunga, secretário-geral da Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos da Pessoa com Autismo), assessor técnico da Casa da Esperança, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos e ex-presidente do Conselho Estadual dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Ceará.

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1 Comentário

  1. Leandra Migotto Certeza 23/02/2018 Responder

    Menino lindo! Seu texto é simplesmente BRILHANTE!! Muito forte, tocante, esclarecedor, pontal, atual, importante e necessário!! Parabéns! Continue se posicionando com tanta coragem e carinho!! Nos conhecemos há tantos anos, e temos muitos pensamentos em comum. Lutamos juntos e juntas por uma sociedade mais HUMANA e JUSTA!! Força para nós! Abraços, Leandra.

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