Surdos reclamam ausência de Libras em discurso de Lula

13/03/2021 Deficiência Auditiva, Notícias 0
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Surdos reclamam ausência de Libras em discurso de Lula
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O fornecimento do serviço de Libras é uma exigência da Lei, mas a Central Carioca de Libras não conta com intérpretes.

Diversos surdos manifestaram, na última quarta-feira, 10, em grupos de WhatsApp e outras mídias sociais, um forte sentimento de indignação contra o Partido dos Trabalhadores (PT) por não ter oferecido interpretação de Libras durante a entrevista coletiva concedida pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, naquele mesmo dia, após o anúncio da anulação de suas sentenças pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns membros da chamada comunidade surda, filiados ao partido, cogitaram a desfiliação por não se sentirem representados e respeitados pelo Diretório Nacional (DN). Já outros foram mais contidos e defenderam a formulação de um documento a ser enviado à direção do DN e à presidenta do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT). Durante a noite do dia 10 e todo o dia 11, quinta-feira, as discussões se estenderam. O.M.T., que pediu para não ser identificada, lamentou terem sido esquecidas mais uma vez. “Uma vergonha. Precisamos sim nos manifestarmos para a direção do partido porque tudo que os bolsominions querem é qualquer pretexto pra continuar esculachando o PT”, disse ela. R.C. também utilizou a palavra “lamentável”. “Lamentável ver que esta assessoria não deu o devido encaminhamento para que a grande live do Lula, esse momento histórico, tivesse a janela em Libras para que boa parte das pessoas surdas e que utilizam essa língua tivessem acesso às falas do nosso maior líder”.

A professora associada do Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), Patrícia Rezende, surda, fez coro à lamentação pela ausência dos intérpretes. “No pronunciamento mais importante de todos os tempos, a comunidade surda fica de fora!!!!!! (sic) Simples assim! Complicado!”, escreveu. Segundo ela, alguns intérpretes de Libras de São Paulo se dispuseram a ir a São Bernardo do Campo fazer a interpretação. “Era só o PT dar o sinal verde”, disse. Mas, o sinal verde não foi dado e a crise se instalou. “Os nossos surdos petistas estão sendo gozados pelos surdos da direita por não ter intérpretes de Libras”, afirmou C.F., outra militante que prefere não ter seu nome divulgado. De acordo com o blog Vencer Limites, do jornal Folha de São Paulo, “o evento foi organizado pela equipe de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista. Questionada pelo #blogVencerLimites, a assessoria do ex-presidente reconheceu a falha. ‘Deveríamos ter incluído intérpretes de Libras, mas não conseguimos. Os próximos eventos terão’, garantiu José Chrispiniano, assessor de imprensa de Lula”.

Sem Barreiras procurou o presidente do Diretório Estadual do PT, Antônio Filho, o Conim, e questionou o tema. Ele lamentou o acontecido e afirmou que, “no PT do Ceará, temos procurado sempre assegurar a acessibilidade do conteúdo que produzimos”. Ele citou como exemplo a live dos 41 anos do PT-CE e os comícios virtuais durante a campanha passada. “Nossa diretriz é de defesa da acessibilidade em todos os níveis. Temos um setorial de pessoas com deficiência, muito atuante, inclusive em relação às próprias ações do PT”, disse ele. Rubinho Linhares, coordenador do Setorial das Pessoas com Deficiência do PT, órgão responsável pela defesa das pautas da categoria no âmbito partidário, gravou um áudio no grupo PT Coletivo Nacional Pcd, do WhatsApp, explicando as ações do Setorial. Ele informou que, desde segunda-feira, dia 08, foram solicitados os intérpretes, em um documento enviado à deputada Gleisi Hoffmann e à companheira Cilene, membra da executiva nacional. Gleisi teria lamentado a ausência dos intérpretes e admitido que “foi um despreparo dos que organizaram o evento”. Rubinho disse ainda que o partido, através do tesoureiro da Fundação Perseu Abramo, Jilmar Tatto, irá designar uma verba destinada aos intérpretes de Libras, garantindo sua presença em todos os eventos.

Alfabeto português em Libras

LIBRAS – No Brasil, a educação dos surdos e o surgimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) têm ligação com d. Pedro II, imperador entre 1840 e 1889. Em 1855, d. Pedro II convidou para o Brasil o professor francês Ernest Huet para iniciar a educação de surdos. Ernest Huet era surdo desde os 12 anos de idade e adepto do método de Charles Michel de l’Épée. Sua atuação no Brasil se iniciou com a fundação, em 1857, do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, instituição que atualmente é conhecida como Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines). A criação dessa escola ficou registrada na Lei nº 839, de 26 de setembro de 1857.

Huet foi o pioneiro para a educação de surdos no Brasil, mas inicialmente não teve muitos alunos. O francês foi o diretor do colégio entre 1857 e 1861 e o Instituto Imperial dos Surdos-Mudos só recebia alunos em regime de internato, do sexo masculino. A partir de 1861, um novo diretor foi nomeado para o Instituto com a mudança de Huet para o México. O trabalho de Huet permitiu que uma língua de sinais própria de nosso país fosse desenvolvida e a atual Libras surgiu mediante a junção de sinais da língua francesa com sinais utilizados pelo abade L’Épée. Esse sistema de ensino implantado por Huet no Brasil predominou até o começo do século XX.

Em 1880, foi realizado o Congresso de Milão, na Itália. Na ocasião, ficou definido que a educação dos surdos deveria ser realizada por meio da oralização, pela fala. Assim, os sinais ficaram proibidos e as línguas de sinais foram colocadas como “inferiores”, sendo obrigação o ensino se utilizar dos idiomas nacionais. Apesar disso, os sinais continuaram sendo utilizados pelos surdos. Essa tendência seguiu em nosso país até a década de 1970 quando o Brasil começou a se valer da filosofia da comunicação total. Essa metodologia educacional acredita que a oralização apenas não é capaz de garantir o desenvolvimento educacional pleno do aluno surdo, sendo necessário mesclar o oralismo com outros recursos, como a língua de sinais. Assim, passou-se a acreditar que o aluno surdo deve se desenvolver no bilinguismo, aprendendo o português e a Libras.

A partir da Nova República, sobretudo depois da virada do século XXI, a comunidade surda conquistou importantes direitos. Uma conquista muito importante se deu com a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que determinou que a Libras deve ser reconhecida como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira e que o poder público deve fornecer meio para o uso e difusão da Libras no Brasil. No âmbito educacional, a educação de todos os brasileiros foi reconhecida como um direito na Constituição de 1988 e isso abriu espaço para que leis fossem regulamentadas para garantir o acesso do surdo a uma educação pública e de qualidade. Assim, por exemplo, ao aluno surdo, ficou garantido, por Lei, o direito de um acompanhamento especializado. Desde 2014, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) estabelece que todos os projetos de produção audiovisual financiados com recursos públicos devem ter legendas descritivas, audiodescrição e Língua Brasileira de Sinais (Libras). O evento citado não teve recursos públicos, mas foi de interesse público. Além disso, a presença de um intérprete de Libras se tornou uma constante com a eleição do atual presidente Jair Bolsonaro, tornando a adequação dos demais partidos a esta prática quase uma obrigação. O Dia Nacional dos Surdos é comemorado em 26 de setembro.

* Assista o Ep. 07 do BarreiraCast, em que tratamos do tema desse post e aprofundamos mais a discussão.

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