Guga Dorea quebra o paradigma entre iguais e diferentes

28/02/2021 Articulistas, Deficiência Física, Leandra Migotto, Notícias 0

Desde meados do ano de 2020, eu comecei a participar das oficinas de inclusivas que o meu querido amigo Guga desenvolve. Estar ao lado (mesmo que por meio das telas) de pessoas tão alegres, inteligentes, e principalmente, muito sensíveis, tem sido um grande aprendizado para mim.

Porém, logo que o Guga me convidou para estar com eles, confesso que fiquei com receio porque achava que tinha pouca convivência e experiência com pessoas com deficiências intelectuais e/ou problemas psíquicos. Este meu receio, na verdade era puro preconceito e capacitismo disfarçados! Não tenho vergonha nenhuma de admitir! E eu só me dei conta do meu próprio capacitismo, depois de ouvir e ver a forte atuação da turma, e principalmente, a linda produção artística de todos. Olhem que lindo poema coletivo que nós escrevemos juntos… Digo nós porque eu também coloquei algumas palavras nele…

A vida é harmonia
Faz parte de tudo
É o que você vive hoje

A vida é como um sopro
É viver ficando sempre no agora
É viver um dia de cada vez

A vida é imprevisível
É agradecer
É movimento
É plena e intensa

A vida flui
Como um rio de flores
Uma onda de várias cores
É alegria e natureza

A vida é uma caixinha de surpresas
Temos que vivê-la de diferentes formas
A vida é bela

Intenso o poema né?

Vejam então, como foi o meu papo com o Guga Doréa, em janeiro de 2021

Conheçam o livro dele: https://todosnadiferenca.com.br/

Visitem o site do Instituto Casa do Todos: https://www.institutocasadotodos.com/

E agora acompanhem a continuidade da entrevista exclusiva para o Sem Barreiras que eu fiz com ele:

Sem Barreiras: Conte como surgiu a ideia do projeto Todos na Diferença?
Desde o nascimento do Thiago, a minha preocupação sempre foi a de buscar derrubar o muro imaginário e fictício que separa os seres humanos em “iguais/normais” de um lado e “diferentes/anormais” de outro. Ambos os lados, dessa mesma moeda de cartas marcadas, tempos controlados e espaços pré-definidos, são excluídos por não terem suas singularidades reconhecidas. Os “diferentes” tendem a ser tratados a partir de seus estigmas e não pelo que são em si.

Costumo perguntar em meus encontros com educadores: qual é o contrário da palavra deficiência? E a resposta praticamente unânime é eficiência. Está errado! O contrário de eficiência é ineficiência! Trago sempre essa reflexão para mostrar o quanto está no imaginário de grande parte da população e também em parte da ciência que as Pessoas com Deficiência são ineficientes, o que nos leva ao capacitismo, ou seja, a crença de que elas são incapazes de pensar e de agir por conta própria.

E o que é deficiência, afinal de contas? É falta de alguma coisa. Nessa perspectiva então, é possível deduzir que não falta nada aos classificados como “sem deficiência”, o que seria a perfeição! Mas a perfeição existe? Não estou aqui negando que uma pessoa nasceu com a Síndrome de Down, autismo e paralisia cerebral, entre outras das definidas como deficiência, e sim para mostrar o quanto essa separação rígida é uma criação histórica e cultural.

Sem Barreiras: As oficinas de escrita fazem parte do projeto? Como você avalia a produção dos alunos? Qual a importância da escrita para eles e elas?
Foi pensando o quanto esta separação rígida entre deficiência e não deficiência é uma criação histórica e cultural que eu criei e coloquei em prática, entre 2012 e 2014, na Associação Down Brasil, o que chamei de Curso Prático de Jornalismo para Pessoas com Deficiência. Os resultados foram promissores: 3 turmas e 4 edições do Jornal DownBrasil e Você. A partir de 2015, continuei com esse mesmo projeto, agora com o nome Oficina da Palavra e da Escrita Criativa Todos na Diferença, no Instituto Casa de Todos e, a partir de 2017, também no Núcleo Morungaba, ambas as instituições localizadas na Capital de São Paulo.

A metodologia que utilizo é sempre múltipla e experimental. E os resultados vieram: sempre levando em consideração o princípio da escuta, já publiquei sete edições da Revista Literária Todos na Diferença com textos, dos mais diversos gêneros, sobretudo a poesia e a crônica. Quando acreditamos nos talentos e potencialidades criativas, a produção emerge com muito mais facilidade e fluidez. Esse também foi o caminho trilhado pelo meu filho Thiago após o término do Ensino Médio: a escrita criativa.

Sem Barreiras: E como surgiu o livro Todos na Diferença?
O projeto Todos na Diferença virou uma micro empresa e tem como objetivo, não só ampliar a oficina, mas também desenvolver cursos, palestras, rodas de conversas, além de publicar artigos e livros. E o primeiro passo já foi dado quando publiquei, no ano passado, o Ebook “A Síndrome de Down como você nunca viu: profundo relato de um pai-educador”.

O objetivo deste Ebook foi o de escrever, de uma forma a mais simplificada possível, um tema que considero necessário e urgente nos dias de hoje: o de quebrarmos o paradigma de que as pessoas são divididas em iguais e diferentes.

De não arraigada na mente de nossa sociedade parece que essa divisão é natural no ser humano quando, na verdade, é uma criação histórica e cultural. Costumo dizer que não tenho um cromossomo a mais como filho, e sim tenho um filho com seus talentos e limites, como todos nós, aliás!

Sem Barreiras: Qual mensagem você quer deixar aos leitores sobre a inclusão em todos os aspectos: educacional, profissional, saúde, lazer, esportes, legislação… Você acredita que avançamos ou retrocedemos no processo de direitos das pessoas com deficiência no Brasil? Qual a sua opinião sobre os governos atuais: federal, estadual e municipal?
Não vou falar aqui do atual governo federal que está procurando retroceder no mínimo 30 anos de histórias de conquistas de direitos pela inclusão da Pessoa com Deficiência na escola e mesmo na sociedade. Felizmente, o decreto federal segregador 10.502, que trazia de volta as chamadas escolas e classes especiais, foi derrubado pelo STF por 9 votos a dois. Temos que combater com todas as nossas forças contra esse período de ostracismo, além do que considero que os atuais governos municipais e estaduais de São Paulo ainda não romperam com o modelo clínico de deficiência.

Porém, se formos pensar de forma cronológica, sem dúvida alguma avançamos muito, inclusive no que diz respeito à legislação. Não estou querendo dizer que já vivemos em uma sociedade com escolas inclusivas. Muitas famílias, por exemplo, ainda querem incluir seus filhos nessa escola que não inclui ninguém e outras preferem manter seus filhos segregados em escolas e classes especiais.

Considero, com tudo isso, que estamos diante de uma urgente necessidade de mudar o paradigma do que é ensinar, tendo como um de seus princípios básicos a derrubada do muro que separa a escola da comunidade em geral, sendo inclusive fundamental se conectar a conceitos como cidade educadora ou comunidade de aprendizagem.

Outra quebra de paradigma é o papel do próprio professor. Ele não deve ser mais um mero transmissor de informações. A escola, nesse sentido, deveria ser transformada em um espaço de vida e de construção do conhecimento, além de, pensando aqui em Paulo Freire, mudar a concepção do que é a relação entre educador e educando. Não é, como já nos mostrou José Pacheco, preparar o educando para a vida e sim na vida.

É necessário, ao contrário, transpor os muros da instituição e ir para além da escola. O caminho então seria o oposto. Não é mais partir de conteúdos fechados, estanques e fragmentados, totalmente desvinculado da realidade do aluno, e sim, ampliar os espaços educacionais no âmbito da heterogeneidade e não mais da homogeneidade, ensinando (se é que isso se ensina) os alunos a lidarem com as diferenças, com a multiplicidade de tempos, que não são os mesmos para ninguém.

Trata-se aqui de levar em consideração formas de ser e de estar no mundo. A escola então, deveria proporcionar ao educando integrais condições de ser e de estar na vida, estabelecendo uma conexão direta com o estar no mundo, desde o entorno da escola, até o bairro, a vizinhança, a cidade, o país e o planeta.

Afinal, transformar o equivocadamente chamado de aluno em mero receptor de informações descontextualizadas e fragmentadas significa, na prática, engessar as potencialidades de cada educando em sua singularidade.

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